taxionomia

on a good day you can see the end from here



'o sangue corre.
o terror possui luz própria. pensa-se com o terror. é inteligente, cuidadoso, hábil. o terror ensina-se a si mesmo, conduz a sua luz como uma tecedeira faz sair dos dedos a peça tecida. assim chega ele ao alçapão e levanta-o. um último arremesso do corpo despenha-o sobre o linho. vai buscar ao medo a força de se envolver uma segunda e uma terceira vez, e ainda uma quarta vez, nas ramas de linho. fica todo embrulhado no linho, menos a cabeça e os braços. porque a cabeça e os braços estão intactos. e os braços servem para abrir a porta da arrecadação. a cabeça serve para o medo pensar. arrima-se à parede, abre a porta e escorrega para fora. a noite não tem fundo. (...) É um túnel, a noite, um túnel que ele conquista a sangue, a metro, pequenamente. o medo pensa: tenho de chegar à primeira casa.'

- ela disse: quero dizer-te isto há semanas.
- ela disse: (...)
- ela disse: só ainda não tinha 'arranjado' forma de o fazer.
- ela disse: medo?
- ela disse: não. não é nada disso. aliás, é. é precisamente isso.
- ela disse: estou confusa.
- ela disse: já passou. 
- ela disse: (...)
- ela disse: o que quer que tenha acontecido: já passou. agora é tempo de entenderes isto: já passou. já não precisas de ter medo.
- ela disse: (...)
- ela disse: (...)
- ela disse: descobri que a zona mais áspera do meu corpo é o cotovelo. isso e que preciso de umas calças do aladino.

{à juliana}

{title: 'on a good day', joanna newsom, 'have one on me', 2010. text: herberto helder, 'Aquele que dá a vida', 'Os passos em volta', assírio e alvim, 2001, pp. 102 e 103}