cobres o corpo com uma folha de papel vegetal. escolhes um marcador de ponta fina e esboças, na folha de papel vegetal, o contorno de um outro corpo. não é o do corpo que está ali, é um terceiro corpo. o que te está na memória. este é o equívoco: julgas-te a contornar o corpo que está ali, a dar-lhe existência. este é o equívoco.
o terceiro corpo envolve-se (com algodão no bolso) nas cicatrizes do cotovelo.
....................................................................................................................................................................
- ele disse - apesar de não estar aí, estou aí.
- ela disse - (...)
- ele disse - tenho orgulho em ti.
- ela disse - (...)
- ele disse - ouve-me. ouve-me. não me ouves?
- ela disse - não posso ouvir. eu não existo. Eu pertenço às camadas inferiores dos meses que passaram, ao acumular de papel vegetal. Tornei-me, como querias, impossível. Aqui me tens, então, impossível. Em necessidade, em opção, anular-me foi-te imediato. {e esta invisibilidade concede-me o poder extraordinário de colocar-te um saco na cabeça, atar uma corda ao pescoço e destruir-te, em tempo lento.}
- ele disse - és execrável.
- ela disse - não passas de um exercício de escrita fácil, oco. és um brilhante coleccionador de marionetas, digo-te. e a minha boca foi-te um privilégio. pobre de ti.
....................................................................................................................................................................
encaixar as peças, respirar fundo, levantar os braços, libertar-se. este é o resultado.
{title: antlers, 'atrophy', 'hospice', 2009.}