'annie - se eu dormi? nem vou responder. ias pensar que estava a mentir.
henry - eras capaz de me mentir?
annie - era.
henry - e mentiste?
annie - não. estás a ver? agora vou arrumar isto tudo.
henry - não queres saber do que é que eu estava à procura?
annie - não (dirige-se ao quarto) (...)
annie - devias ter arrumado tudo outra vez. ficava tudo como estava.
henry - não podes arrumar as coisas. elas não ficam arrumadas. fala comigo. eu sou o teu compincha. sei que sou. parecíamos uma lagarta que se dedica a uma única folha. a voracidade exclusiva do amor. e depois acabou. que estranho que a maneira como as coisas são não tenha sido diferente no nosso caso. mas nunca é. eu não quero mais ninguém, mas ás vezes, surpreendentemente, há alguém, não a mais bonita ou a mais disponível, mas tu sabes que noutra vida seria aquela. a sala que se move quando entramos.
como se levantasse uma persiana. sem nenhuma intenção, sem fazermos nada, mas apanha-se o brilho da possibilidade com outra pessoa e é de bom tom mostrares que reparaste nisso, por isso coras um bocadinho, um nadinha, para que mais ninguém note, mas há aquela sensação de uma promessa de beijos e carícias, sem as quais ninguém consegue sequer dizer bom dia neste mundo lamechas, e só falta um empurrãozinho (...).'
{stoppard, tom - «agora a sério», versão de pedro mexia, tinta da china, pp. 155-157
image: jess gough}
henry - eras capaz de me mentir?
annie - era.
henry - e mentiste?
annie - não. estás a ver? agora vou arrumar isto tudo.
henry - não queres saber do que é que eu estava à procura?
annie - não (dirige-se ao quarto) (...)
annie - devias ter arrumado tudo outra vez. ficava tudo como estava.
henry - não podes arrumar as coisas. elas não ficam arrumadas. fala comigo. eu sou o teu compincha. sei que sou. parecíamos uma lagarta que se dedica a uma única folha. a voracidade exclusiva do amor. e depois acabou. que estranho que a maneira como as coisas são não tenha sido diferente no nosso caso. mas nunca é. eu não quero mais ninguém, mas ás vezes, surpreendentemente, há alguém, não a mais bonita ou a mais disponível, mas tu sabes que noutra vida seria aquela. a sala que se move quando entramos.
como se levantasse uma persiana. sem nenhuma intenção, sem fazermos nada, mas apanha-se o brilho da possibilidade com outra pessoa e é de bom tom mostrares que reparaste nisso, por isso coras um bocadinho, um nadinha, para que mais ninguém note, mas há aquela sensação de uma promessa de beijos e carícias, sem as quais ninguém consegue sequer dizer bom dia neste mundo lamechas, e só falta um empurrãozinho (...).'
{stoppard, tom - «agora a sério», versão de pedro mexia, tinta da china, pp. 155-157
image: jess gough}